Ucrânia: missão (im)possível.
Na manhã de 1 de Março acordei com este pensamento – ‘e porque não ir à Ucrânia levar bens essenciais e trazer quem quiser fugir da guerra?’ – e, o resto do dia, foi o tempo necessário para lançar o desafio a outros. Além do mais, porque tive a celebração de umas bodas de prata, e no convívio, encontrei muita malta nova, a quem fui interpelando dizendo – ‘e se houver a possibilidade, queres ir comigo?’.
Nesse mesmo dia lancei a campanha de recolha de bens e comecei a recrutar voluntários, quer para a recolha, quer para a viagem. Não tínhamos muito tempo e por isso, dentro de 2 a 3 dias, já tínhamos as datas programadas – ‘vamos nesta aventura de 17 a 23 de março’.
Formou-se uma enorme onda de solidariedade, de voluntarismo e de oração. Sim, a oração também esteve presente, pois, isto iria muito além das nossas capacidades. Dos bens alimentares, a roupas e calçado, brinquedos e medicamentos, o camião e carrinhas etc… cresceu uma dinâmica que envolveu todos sem excepção: novos e velhos, crentes e não crentes, gente que estava afastada e que se aproxima lentamente.
Chegou o dia da partida, em que antecedemos com uma oração na noite anterior, com todos os que estavam envolvidos e, com a presença dos ucranianos no Porto, e seu pastor o padre Luka. De manhã cedo, depois do pequeno almoço, seguimos rumo à Polónia, em 5 carrinhas, na expectativa do que iríamos ver, encontrar e receber – pois ainda não sabíamos quem iríamos buscar.
Muitos km’s, alguma chuva e frio, dormir nas carrinhas, foram algumas situações que fomos experimentando ao longo do caminho até que uma das carrinhas avariou. Mais do que o problema mecânico em si, existia um problema maior: eram menos 7 lugares. Os ucranianos já vinham a caminho das suas terras para Varsóvia, de modo a chegar no dia e hora combinados. Contudo, sem uma carrinha, aumenta a pressão de ‘como e o que fazer?’.
Porém, continuamos viagem e fomos até à fronteira onde chegaria dentro de dias o nosso camião; conversámos com as pessoas e voluntários locais, oferecemos ajuda, e seguimos para uma estação de comboios que serve de abrigo aos que chegam da Ucrânia.
Aí o cenário é desolador – animais, crianças, muitas crianças e suas mães, avós, doentes, pessoas em cadeira de rodas, muitos sentados no chão, outros nos bancos normais de uma estação de comboios, crianças a distraírem-se com o que viam, gente à espera do autocarro para os levar para outro lado, outros ali acantonados à espera que a guerra passe e poder regressar outra vez de comboio.
Perante este cenário, o nosso coração bateu no fundo! Recordo aqui a Madre Teresa de Calcutá que descobre a sua vocação também num cenário idêntico, no qual temos a certeza de que ‘os pobres não podem esperar’.
São perto de umas 3h da manhã, seguimos viagem para Varsóvia, onde apenas iremos tomar um banho e descansar, porque às 6h tínhamos que receber os que estavam a contar com a nossa boleia.
A viagem de regresso foi quase de direta, ainda dormimos a primeira noite na Alemanha, depois de jantarmos todos no Macdonalds – refeição e noite com cama e banho que, para aqueles que trazíamos foi um verdadeiro Oásis – pois já andavam em viagem há 2 ou 3 dias, sem ir à cama e sem comer uma refeição de jeito (digo de jeito, porque uma menina que trazíamos agradeceu tanto, que nos disse que foi o melhor jantar de sempre).
Depois de dormirmos bem, foi seguir viagem rumo a Portugal, sem grandes paragens, apenas para o necessário: idas ao WC, café, beber ou comer alguma coisa, esticar as pernas, brincar com as crianças – sim, é muito importante distraí-las, pois a viagem dá para pensar muito e era preciso que eles não pensassem já em tudo.
Devem estar a pensar na carrinha que falhou e nos lugares que eram necessários. Pois bem, quando chegamos à estação de Varsóvia, de 28 que estavam previstos, só trouxemos 24, e com outros lugares que não estavam a ser contabilizados numa das carrinhas, arranjamos maneira de virmos todos. Deus não falha!
Chegados a Portugal, foi momento de despedidas, foram momentos de reencontros, foram momentos de mais uma vez pensarmos que não podemos parar.
Dos 24 ucranianos, apenas 3 vinham para Alpendurada (uma mãe com dois filhos), mas entretanto, ainda na viagem, soube que no Porto, tinha já à nossa espera 8 que também precisavam de casa e, passados 2 dias recebi uma chamada a pedir alojamento para mais 10. Neste momento, são 21 os ucranianos que estão sob a minha responsabilidade, e não há nada mais gratificante do que saber que eles estão em paz, ainda que seja uma paz pouco serena, porque continuam a ter lá os maridos, os pais, os filhos e irmãos que estão a combater.
Foi na verdade uma missão (im)possível, que nos fez repensar na vida, nos “obrigou” à saída de nós mesmos e, apressadamente, ir ao encontro de quem pede ajuda.
Para mim, e para aqueles que me acompanharam, foi um desafio que transformou por completo as nossas vidas – o Sim que cada um deu, em deixar família para ir na aventura no desconhecido, prova que existem “Sim’s” que transformam os desertos em verdadeiros oásis onde corre vida.
Quem sabe se em breve não voltaremos???….