Uma experiência missionária.
“Missão é partir” diz D. Hélder Câmara num conhecido poema sobre as missões. Mas também sublinha a ideia de que este “partir” não supõe ir em missão ao outro lado do mundo, mas sim partir de nós mesmos ao encontro do outro. Por outro lado, ser discípulo de Jesus supõe sempre que sejamos missionários, aqui ou em África, na minha escola em Portugal, ou numa escola em Moçambique, na minha paróquia ou numa paróquia da selva amazónica. No entanto, neste verão tive a experiência de partir em missão para longe, para uma aldeia remota no norte de Moçambique.
Fui enviado durante um mês para uma escola que os Irmãos Maristas têm no Nivava, perto do Alto Molócuè, na província da Zambézia, Moçambique. No Nivava não há eletricidade nem torneiras com água. As estradas são de terra. As pessoas e as condições são muito humildes. O que contrasta com o esplendor do pôr do sol, pouco depois das 17:00, e com a generosidade do céu estrelado à noite a que assisti todos os dias e todas as noites!
No Nivava os Irmãos Maristas têm uma escola (do 8º ao 10º ano), um Posto de Saúde e uma Maternidade. Na escola vive uma pequena comunidade de Irmãos que cuida da escola e de uma grande quinta onde cultivam frutas, café e hortícolas. Os Irmãos também trabalham na animação de algumas comunidades cristãs locais. Como irmão entre irmãos, incorporei-me na missão da comunidade durante todo o mês de agosto. Visitei famílias, trabalhei com os alunos, participei em acontecimentos das comunidades, como funerais, aniversários, celebrações... Em tudo fui muito bem acolhido!
Quando cheguei, as crianças (curiosas, pois nunca tinham visto ninguém de pele clara) punham-se a espreitar atrás das árvores e, mal olhava para elas, fugiam com medo. Até que um dia vi uns meninos com uns carrinhos (brinquedos construídos por eles) e lhes pedi que mo mostrasse. Um miúdo aproximou-se um pouco, deixou o brinquedo no chão e fugiu. Depois, pouco a pouco, foram-se aproximando de mim. Todos os dias vinham visitar-me. Pediam-me para fazer truques de magia e que lhes emprestasse uma bola de futebol. Alguns dias eram mais de 20! Descalços, todos os dias com a mesma roupa rota e suja, mas sempre com um sorriso na cara. Muitos nem sequer falavam português, o que mostra que nunca tinham ido à escola...
Todos os dias, quando acordava às 5 da manhã, alguém tinha deixado um balde de água quente para que eu pudesse tomar um banho, com a ajuda de um copo. Sabia tão bem! Descobri que pouco mais de 5 litros de água chegam para um banho. Este pequeno gesto de acolhimento faz-me valorizar as comodidades que temos aqui e faz-me pensar em tudo o que uso em excesso...
Fui com os olhos e os ouvidos bem abertos. Vi muita miséria e muita resiliência. Voltei com o coração e a mente cheios de histórias e de rostos que vou guardar durante muito tempo. Vivi nesta experiência cada palavra da mensagem que o Papa Francisco escreveu para o Dia Mundial das Missões: a necessidade de anunciar a boa notícia da amizade que Deus quer estabelecer com cada pessoa, a necessidade de trabalhar para que cada pessoa viva em plenitude e com condições dignas, a necessidade de agradecer por tudo o que tenho recebido na minha vida, a frustração de ver uma realidade às vezes tão injusta e cruel, a experiência positiva que vivi apesar das condições pobres, a miséria das pessoas do Nivava, a fragilidade da vida...
Sim, missão é partir... Parti. E encontrei-me realmente com os outros. E agora? Agora continuo a partir, mas sem “devorar quilómetros”. Agora a minha missão aqui ganhou um bocadinho de sabor a Nivava. Vale a pena partir em missão!