Paixão segundo S. Mateus | J. S. Bach.

Johann Sebastian Bach, retrato de Elias Gottlob Haussmann (1748)

Johann Sebastian Bach, retrato de Elias Gottlob Haussmann (1748)

Quando me foi solicitada a elaboração de um texto sobre uma obra musical para a rubrica “Em diálogo com a arte e a cultura”, tinha acabado de lecionar, na disciplina de História da Cultura e das Artes, a matéria referente ao compositor barroco Johann Sebastian Bach (Eisenach, 1685 – Leipzig, 1750). Tendo em conta o período quaresmal que vivemos bem como a realidade pandémica que (ainda) enfrentamos, a obra Paixão segundo S. Mateus, de J. S. Bach, surgiu como a primeira opção para este texto.

Compositor profundamente religioso (luterano), Bach atinge o ponto culminante da sua obra de música sacra com as composições Paixão segundo S. João BWV 245 e Paixão segundo S. Mateus BWV 244.

A Paixão segundo S. Mateus foi estreada, na sua primeira versão, na Sexta-Feira Santa de 1727, tendo sofrido sucessivas alterações até à sua versão final estreada a 30 de março de 1736. Consiste num drama de grandeza épica, sendo a mais nobre e inspirada abordagem deste tema ao longo de toda a história da música.

É uma obra para coro duplo, solistas, orquestra dupla e dois órgãos. O texto é do Evangelho segundo S. Mateus, capítulos 26 e 27, narrado pelo tenor solista em recitativo e pelos coros, sendo a narração entremeada de corais, um dueto e numerosas árias.

Tal como na Paixão segundo S. João, o coro participa por vezes na ação; outras vezes desempenha, como o coro do teatro grego, o papel de espectador falante que apresenta ou reflete sobre os acontecimentos da narrativa. Por exemplo, os corais “Herzliebster Jesu” (Querido Jesus) e “O Haupt voll Blut” (Ó cabeça cheia de sangue) desempenham um papel fundamental como resposta da assembleia aos eventos narrados e, musicalmente, como pontos unificadores de toda a obra. O primeiro é ouvido três vezes e está associado à inocência de Jesus e à sua morte como condição essencial para a salvação dos homens. O segundo é ouvido cinco vezes, numa gradação harmónica dramática que termina com a invocação de Cristo na hora da morte de cada um de nós. Ainda neste contexto, os coros “Kommt, ihr Töchter” (Vinde, filhas, compartilhai meu lamento, vede-o!) e “O Mensch, bewein” (Oh, homem, lamenta o teu grande pecado), na abertura e conclusão da Parte I, e o derradeiro “Wir setzen uns” (Com lágrimas nos assentamos), no final da Parte II, assumem-se como três lamentos universais que englobam as três dimensões desta Paixão: a bíblica, a pessoal e a comunitária.

Entre outras características desta Paixão, destaco ainda o simbolismo musical que surge ao longo de vários momentos. Por exemplo, no momento de Jesus, abandonado por Deus, surge também abandonado pelo halo musical. É extraordinário constatar que esta passagem tem 22 notas, uma alusão ao salmo 22: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?”.

A obra termina com a crucificação, morte e sepultamento de Cristo, não existindo referência à Ressurreição. A ênfase reside no sofrimento de Jesus e a crucificação é tomada como o ponto final bem como a fonte da redenção.

Por último, e como curiosidade, atento para o facto desta Paixão ter caído no esquecimento durante os 100 anos seguintes. Apenas em 1829 foi levada novamente ao palco num concerto dirigido pelo compositor alemão Felix Mendelssohn-Bartholdy (1809-1847), em Berlim, tendo sido vivamente aclamada.

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