Uma mulher esculpida por Deus.
Com frequência me detenho a olhar, diria mesmo a contemplar, Madre Teresa de Calcutá. Não foi a sua canonização que mudou o meu olhar, talvez o tenha refinado e intensificado. Já a admirava e estimava, mesmo sem alguma vez lhe ter podido tocar. Há nela uma Beleza que cativa, que se instala no olhar e nos conduz às profundezas da Luz.
Cheguei a imaginar Madre Teresa numa passerelle! Quis comparar os padrões de beleza que o mundo estabelece para se poder ter direito aos aplausos e flashes e os atributos de beleza que sempre se impuseram em Madre Teresa. O mundo não lhe reconheceria certamente as medidas e os atributos padrão para poder ser “figura perfeita”! Porque os padrões que o mundo privilegia, e exige, são demasiado efémeros, iluminados a partir de fora, e chegam mesmo a desaparecer com as marcas do tempo ou apagados da memória. Madre Teresa foi-se deixando esculpir, mesmo “na escuridão”, não ofereceu resistência ao cinzel com o qual Deus ia delineando o seu rosto, os seus gestos, as suas mãos, os seus pés, as Suas medidas. A Sua passerelle estendia-se por todos os recantos, sobretudo pelos mais recônditos e esquecidos do mundo; tinha um tapete multicolor onde a luz que emanava da escuridão iluminava tudo à sua volta e irradiava para além de todas as fronteiras – assim deixou que Deus desenhasse e alongasse a Sua passerelle. Por ela caminhava essa figura franzina - pés endurecidos pelo veludo das sargetas e pela rudeza dos solos; rosto marcado pela infinita beleza dos gestos nunca reprimidos; gestos incandescentes de ternura e sorrisos; tronco inclinado para a reverência do amor, com a alegria de cuidar os mais pobres dos pobres; um cuidado que ultrapassa a fome, a sede física. As suas mãos não se poupam no acolhimento e no aconchego “daqueles que ninguém quer, ninguém ama, ninguém cuida”.
A Santa da escuridão iluminada dispensava holofotes, tapetes vermelhos e flashes. A sua pequenez irradiava a luz que ilumina qualquer noite, as suas mãos tocavam a luz do Amado, os seus gestos desenham-se esculpindo a marca de um amor que o mundo nunca ousará tentar quantificar, os seus olhos sustentam a força e a doçura de quem vive apenas a delicadeza da dádiva de um sorriso prometido a Deus no mais íntimo de si mesma, a alegria e a paz como a água que sacia a maior sede que assola a humanidade: a sede de afeto, de consolo, de ternura, de afago – o desejo de ser amado!
Hoje somos chamados “às periferias”. Madre Teresa colhia e acolhia a realidade e a verdade das periferias, tocava-as com as suas próprias mãos, iluminava-as com a sua paz e o seu sorriso, amava-as na escuridão que iluminava a sua alma e que o seu olhar não deixava ver. Mas Madre Teresa cumpria a amorosa missão de saciar. A angústia da cruz que habitava os olhos da sua alma emergia iluminada enquanto com uma mão ia desfiando as contas e com a outra distribuia ternura e afago.
Hoje ainda ouso contemplá-la na passerelle! A luz desta “modelo” não deixa o mundo indiferente. E, apesar das mãos de Madre Teresa nunca se terem deixado render à fama do mundo, mesmo quando foi homenageada e premiada, gosto de a imaginar descalça ao longo da vida, nesse tapete multicolor, saudando com um terno e doce sorriso o mundo que já se rendeu à Beleza esculpida no frágil barro que se deixou iluminar.
(Publicado na revista Stella em outubro de 2016)